Por Roberto Guimarães* – O Globo.
O livro de Gabriel García Márquez retrata fielmente os preparativos para a Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável a ser realizada em junho no Rio de Janeiro. Conspiram para o fracasso diversas características que a tornam singular, em especial o seu desenho, processo preparatório e resultados esperados.
Em nítido contraste com a Rio-92, a Rio+20 não foi concebida como uma Reunião de Cúpula, mas apenas como uma “conferência de revisão”. Se a Resolução 44/228 da ONU que convocou a Rio-92 definia resultados específicos para a negociação prévia e levou a decisões cruciais como as convenções sobre clima e diversidade biológica, a Resolução 64/236 indica timidamente que os objetivos da Rio+20 são os de garantir um renovado compromisso político em relação ao desenvolvimento sustentável, avaliar o progresso alcançado e identificar novos desafios. Em suma, os mesmos objetivos da Rio+10 em 2002, e cujos resultados foram rapidamente esquecidos no lixo da história ambiental.
Por outro lado, o processo preparatório chega a ser exasperante de tão medíocre. Um dos coordenadores da Rio+20 expressou isso graficamente ao apontar para um diplomata dormindo: “Viu? Essa é a negociação, muito lenta e frustrante.” Até mesmo um funcionário do governo brasileiro reconheceu que “se esperava muito mais desses documentos” e questões como “o clima e a biodiversidade foram deixadas de fora da conferência”. De acordo ainda com o comunicado “Excluindo os Nossos Direitos, Colocando sob Colchetes o Nosso Futuro”, grupos expressivos da sociedade civil indicam que a Rio+20 está fadada “a adicionar quase nada aos esforços globais para garantir um desenvolvimento sustentável”, advertindo que “muitos governos estão usando as negociações para minar os direitos humanos e a luta por mais equidade, bem como princípios já acordados como ‘poluidor-pagador’, ‘responsabilidades comuns mas diferenciadas’ e o princípio da precaução”.
É revelador também que ainda não tenha surgido um líder mundial com uma visão estratégica de futuro, um vazio que deixa sem rumo e sem conteúdo o processo “negociador” e a própria conferência. O governo brasileiro, de quem se esperava ousadia e liderança coerentes com a sua trajetória em temas ambientais, tem-se mostrado extremamente cauteloso, pouco criativo e conservador. O papel privilegiado como anfitrião da Conferência tem sido pautado por um perfil tão baixo que beira a omissão e deve fazer corar de vergonha os brasileiros que, no passado, literalmente “viraram a mesa” antes, em Founex, e durante a Estocolmo-72, contribuindo para o estabelecimento de princípios fundamentais como os mencionados acima.
Finalmente, o resultado mais importante da Rio+20, a declaração política “O Futuro que Queremos” só tem produzido um consenso, o de que pouco se pode esperar do Zero Draft ainda em discussão. Quando o texto se refere, por exemplo, ao “direito de todos a ter acesso a alimentos seguros, suficientes e nutritivos”, sugere-se que seja substituído pelo ambíguo “aumento da produtividade agrícola”. Consensos arduamente conquistados em conferências anteriores são submetidos ao ataque das grandes potências, tais como o direito à água segura e limpa e ao saneamento, as necessidades e direitos especiais de mulheres e povos indígenas e a necessária regulação dos mercados financeiros e de commodities. Todas as referências a esses temas são suprimidas e substituídas por declarações sem consequência como as de “promover a eficiência” ou “aperfeiçoar o acesso”.
Todas essas falhas de desenho, processo e resultados, que conduzem à “morte anunciada”, indicam que a Rio+20 não irá produzir compromissos concretos para realizar o desenvolvimento sustentável, nem metas específicas e sequer mecanismos para medir o avanço no sentido do “futuro que queremos”. Com resumiu um grupo de peritos do Conselho de Direitos Humanos da ONU, “existe um risco real de que os compromissos assumidos no Rio permaneçam promessas vazias, sem um acompanhamento eficaz e sem mecanismos de prestação de contas”. Reiteram-se os alertas de que os sistemas de suporte à vida no planeta estão sendo destruídos, da mesma forma como a pobreza e a desigualdade ameaçam a coesão social e a paz. Em 1992, o então presidente George W. Bush retorquiu: “O modo de vida americano não é negociável; ponto.” Vinte anos mais tarde, os países que mais se beneficiam de padrões insustentáveis de desenvolvimento e de consumo atuam sob a mesma lógica perversa e reproduzem uma visão de futuro entrincheirados nos privilégios conquistados no passado.
Cedo ou tarde, todos iremos pagar o preço da irresponsabilidade social e ambiental. O recrudescimento da violência e do terrorismo representa apenas a ponta visível de um iceberg que ameaça pôr a pique um processo de globalização que produziu avanços consideráveis em diversos âmbitos da vida social. As gerações futuras não nos perdoarão por estarmos agindo como a orquestra do Titanic nos momentos finais antes do naufrágio. A ciência ainda pode avançar, mas o mundo está cansado de saber quais são os desafios mais urgentes, os atores responsáveis por sua perpetuação e como superá-los.
Já não é hora de perder tempo com conversa fiada regada a coquetéis e apresentações folclóricas. É hora de agir. Agir antes que seja tarde demais. À diferença do austronauta Jim Lovell da missão Apollo 13, os governos recusam-se a reconhecer que “Houston, we’ve had a problem”, e pilotam felizes a espaçonave Terra para um desastre de proporções. É provável que os livros de história apenas registrem mais uma oportunidade perdida no que poderá, com justiça, ser classificada como a Rio-20.
ROBERTO GUIMARÃES é cientista político e foi coordenador técnico do Relatório do Brasil para a Rio-92.
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