quarta-feira, 4 de março de 2009
PROJEÇÃO DE KANITZ
Vamos virar nossos mapas para cima, para o Cruzeiro do Sul. Vamos criar nossos referenciais para o nosso mapa, nosso jeito de ver o mundo. Essa é a única forma de criar uma nação".
Poderá parecer curioso o que vou escrever às vésperas dos 500 anos do Descobrimento: nós ainda não descobrimos o Brasil! Os portugueses talvez, mas nós ainda não. Sílvio Romero, já em 1880, identificava como o grande problema brasileiro a "imitação do estrangeiro na vida intelectual". Manoel Bomfim, anos depois, apontava nossa "falta de observação". Gilberto Freyre em Casa-Grande & Senzala nos definia pela "aptidão para imitar". Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil sentenciava que somos "desterrados em nossa terra" por trazermos de outros países nossas formas de vida.
Copiamos coisas prontas, traduzimos tudo, preferimos citar a pensar, ridicularizamos inclusive os observadores genuinamente brasileiros.
Preferimos acreditar em Marx, Gramsci, Anthony Giddens, Keynes ou em idéias como "Inflation Targeting". Inteligentes no Brasil são os eruditos da cultura alheia. Vejam, por exemplo, o mapa do Brasil. Nenhum observador genuinamente brasileiro teria feito nosso mapa como todo leitor está acostumado a ver. O mapa de antigamente apontavam para o Oriente, onde nasce o Sol. As caravanas acordavam, apontavam o mapa na direção do Sol, e traçava-se o caminho. Expressões como "orientar-se", "desorientado" vieram dessa época. Quando os portugueses começaram a navegar de noite, perceberam rapidamente que o Sol não era um ponto de orientação útil, e o mapa começou a usar a estrela Polar do Norte como ponto de referência.
O mapa europeu é inútil no Hemisfério Sul, pois não é possível localizar daqui a estrela Polar. Nosso ponto de referência é o Cruzeiro do Sul. A partir dessa premissa, elaborei um mapa segundo nossa epistemologia. Ele aparece no miolo deste artigo e está disponível em tamanho maior no meu site. Não é um mapa simplesmente diferente, é um mapa coerente com a realidade brasileira. Parece estar de cabeça para baixo, mas na realidade são os mapas atuais que estão de ponta-cabeça. Se o leitor ainda está achando o mapa estranho, é porque está usando padrões cartográficos europeus para enxergar o próprio país.
O que pode parecer um detalhe cartográfico é, na realidade, o começo do enorme erro destes 500 anos. Ainda não criamos nossos próprios pontos de referência, nossas balizas, nossos pontos de apoio. Por isso, não temos ainda o conceito de nação, de cidadania, justamente pelo fato de ainda não observarmos o Brasil com nossos próprios olhos.
Nossa auto-estima é baixa, somos inseguros, sentimo-nos confusos, perdidos no mundo globalizado. Estamos literalmente "desnorteados". Colocar o Brasil no centro do mapa tampouco é um ato de ufanismo da minha parte ou uma crença de que o Brasil está no centro do universo. Qualquer indivíduo que olhe 360 graus em sua volta fatalmente construirá um mapa com sua cidade, ou ponto de observação, no centro, algo que nunca fizemos.
O conhecimento humano nada mais é do que mapas simplificados que criamos para auxiliar nosso caminho. O sucesso recai justamente naqueles que fazem os melhores mapas. Damos pouco valor aos pesquisadores brasileiros, temos frases do tipo "santo de casa não faz milagres", "ninguém é profeta em sua terra".
Vamos começar uma vida nova, de início virando nosso mapa para cima, para o Cruzeiro do Sul. Vamos criar nossos referenciais, nossos pontos de apoio, nossas formas de ver o mundo. Essa é a única forma de criar uma nação. Vamos finalmente descobrir o Brasil, mas desta vez com nossos próprios olhos.
Stephen Kanitz é administrador (www.kanitz.com.br)
Publicado na Revista VEJA, Editora Abril, edição 1644, ano 33, nº 15 de 9 de abril de 2000, página 22
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